sexta-feira, 23 de julho de 2010

Quem me ensinou sobre folhetins

Folhetins. Meus queridos e fascinantes romances-folhetins! Eu sabia que um dia esse assunto viria para o blog, só não imaginava que seria tão cedo. Um acontecimento no início dessa semana só fez com que eu antecipasse o post (que já prevejo não ser o único sobre o tema).

Há pouco mais de um ano defendi meu projeto final da faculdade. O título, "Jornalismo e dramaticidade: a folhetinização dos fatos nos produtos jornalísticos". Em palavras não tão acadêmicas, a influência de características do folhetim - variação de romance surgida na França do século XIX – no noticiário atual. Por iniciativa de Émile de Girardin, em 1836 romances começaram a ser publicados em pedaços diariamente no jornal, ocupando o rodapé das páginas, denominado feuilleton. Surgiu assim o feuilleton-roman, ou o romance-folhetim.

Numa época em que o romance é o gênero literário dominante, o folhetim aparece como uma nova concepção de lançamento de ficção. Antes preenchido pelas chamadas variedades, o espaço virou lugar de publicação das histórias romanceadas picotadas, distribuídas diariamente ao longo das edições. A iniciativa deu origem a um fiel público consumidor, que incorporou o hábito de ler o jornal incitado pelos romances publicados, fatiados, e esperar ansiosamente pelo desenrolar das tramas, pelos novos acontecimentos que viriam no número seguinte. Quase dois séculos depois, alguma semelhança com as novelas, ops, coberturas midiáticas do caso X ou Y, cujos capítulos acompanhamos diariamente?

Enfim, mesmo depois de estudá-lo exaustivamente continuo amando o tema e discutiria aqui laudas e laudas sobre ele. Mas sejamos objetivos. O fato é que para escrever com propriedade sobre o fenômeno mergulhei de cabeça naquele universo e me apaixonei. Tive o prazer de dividir meus dias com a pesquisa incrível da ensaísta Marlyse Meyer acerca do tema. Seu livro “Folhetim, uma história” (Companhia das Letras, 1996), vencedor do Prêmio Jabuti de 1997, é a bíblia do assunto que escolhi estudar, obra de referência da minha monografia. Virou livro de cabeceira por 4 meses e entrou pra minha lista de textos inesquecíveis. Fruto de uma pesquisa gigantesca, é fundamental para compreender como aquele feuilleton-roman francês do século XIX contribuiu para a consolidação do jornal como veículo na França e originou gêneros que caracterizam nossa cultura popular, como os romances literários, o rádioteatro, a telenovela.

Marlyse faleceu na última segunda-feira, dia 19 de julho, aos 86 anos. Achei oportuno falar desse trabalho e de certa maneira homenagear essa estudiosa fantástica, por sua contribuição e importância para a crítica e a produção literária brasileira. O post de adeus à escritora no blog da Companhia das Letras traz um trecho em que o crítico literário Davi Arrigucci Jr explica perfeitamente porque o texto de Marlyse Meyer me marcou tanto:

“[...] é uma leitora capaz de contar o que leu. Narra e dramatiza suas leituras. Ao narrar, revela a consciência do processo e de seus percalços, explicitando os bastidores de seu modo de ler. Esse teatro da leitura recorrente em seus textos é um dos encantos de seu método de exposição. Aproxima-nos, além disso, da matéria, por mais espinhosa que seja, envolvendo-nos, sem nenhuma empáfia, como parceiros iguais, no ato plenamente humano de comunicação da palavra”.*


Bom final de semana.


*Trecho do ensaio “A imaginação andarilha”, dedicado a Marlyse Meyer e presente no livro “O guardador de segredos” (Companhia das Letras, 2010).

Um comentário:

  1. Folhetinização do caso Bruno? Ah, imagina...

    Mais um gênio deixa a terra, enquanto temos que aguentar Créu. Ainda dá tempo de trocar?

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